sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O vaso

Foi esta história, mais coisa menos coisa, que escrevinhei, no fim da 2ª sessão, para responder ao desafio do Emílio.

O vaso e a castanha

Há muito que R. evitava ir ao Bar do Desejo. Passava bem sem desejos, que sabia lhe traziam tristezas à boca. Depois tinha de as engolir e ficava com um sabor azedo, ou seria amargo, debaixo da língua. Mas naquele dia não conseguia dormir, levantou-se cedo, os seus passos levaram-no e ele quase não resistiu. Seria o que teria de ser. Chegado ao bar à beira mar, deitou-se na areia e fechou os olhos. Estava quase a adormecer quando sentiu um ligeiro roçar na mão esquerda. Abriu os olhos e viu um papel que tinha sido trazido pelo vento. Moveu os dedos para o agarrar. Ia colocá-lo no bolso para o deitar ao lixo e o impedir de continuar o voo aleatório na praia. Reparou que tinha um texto escrito:

Vai ao Jardim das Sombras. Entra pelo lado do sol nascente, conta três carvalhos, vira à esquerda e conta dois castanheiros. Num vaso de barro encontrarás o teu futuro


R. sorriu, pensando tratar-se de uma brincadeira, mas no Bar do Desejo os desejos são sereias que nos encantam. O Jardim das Sombras era muito perto. R. ergueu-se e pensou "Bem, não tenho nada para fazer, enquanto vou, passeio". Percorreu a marginal, deserta àquela hora, atravessou-a e entrou no jardim. Nunca lá tinha estado assim tão cedo, com o jardim vazio de gente e cheio de pássaros e de sombras. A sua sombra ia à sua frente mais afoita do que ele. Contou os três carvalhos e virou à esquerda. A sombra, que era teimosa, prosseguiu o seu caminho. R. contou dois castanheiros e viu um vaso grande, em barro vermelho, cheio de terra, mas onde nada parecia ter sido plantado. R sorriu de novo e disse com os seus botões "O futuro... Valeu pelo passeio!". Os botões aproveitaram a deixa e desapertaram-se. Tinha decidido continuar o passeio no jardim, mas parou para apertar os botões desapertados, pois o ar da manhã na sombra era fresco. Ao baixar o olhar, viu no chão, junto ao vaso, uma castanha. Tomado por um impulso, apanhou-a, meteu a mão na terra do vaso, remexeu-a e plantou a castanha. Pareceu-lhe sentir um leve cheiro a castanhas assadas e a jeropiga. A jeropiga era doce, não era azeda, ou deveria dizer amarga...

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