terça-feira, 27 de outubro de 2009

Perdi a visão

Perdi a visão.
Não ceguei; só não cheguei a ir.
Só, no meu sentir,
Sócio unipessoal da minha percepção.
Por sorte, já tinha aguçado os demais sentidos,
Logo, sem Norte não fiquei.
Os meus olhos não estavam perdidos,
O meu logos é que eu não sei.
Talvez descompensado,
Mais escuro, certamente
Ou não lhe faltasse o primado da luz.
Os olhos que não vêem nem sabem o que perdem.
Perdem os sonhos, como os perdem os que não descortinam
Os labirintos que a ilusão de óptica lhes coloca.
Labirintos da verdade, há que encará-los com humildade.
Não se pode ir com muita sede ao pote
Para não morrer pela boca,
Como o peixe.
Por vezes, há que fechar os olhos,
Não ir atrás de qualquer feixe.
No fundo, permanecer na toca
Com menos olhos do que barriga.
Perdi a visão,
É uma pena, uma perda aborrecida
Mas o labirinto continua a ter saída.
Vou apalpando, vou estar atento à ressonância…
Cheira-me que a verdade vai ser saborosa.
Mesmo sem a ganância do olhar
Lá consegui desatar os nós.
Tenho os sentidos em polvorosa,
O corpo assolado por um arrepio fulminante.
A verdade sabe bem.
E num instante, eu vejo:
Ela sabe
Ela cheira
Ela soa
Ela toca
Ela sente como cada um de nós.

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